- 9 de fevereiro de 2022
- Posted by: jacqueline.neves@pj.gov.cv
- Category: Aconselhamento
O crime da corrupção, enquanto fenómeno global, provoca consequências económicas e sociais nefastas, empobrecendo valores tão importantes como a democracia, a cidadania, a confiança e a igualdade social[i].
A corrupção é uma forma de usurpação de bens públicos, resultante da transgressão das regras legais, mas, sobretudo, morais, dado que viola os valores éticos, como os da honradez, da probidade e da justiça, em prejuízo do bem comum. Ela pode assumir diferentes formas e os seus efeitos variam em função do tipo e extensão do ato ilícito, sendo que, de todas as formas, condiciona o saudável desenvolvimento das sociedades.
A prevenção e repressão deste tipo de crime, assim como os demais, impõe o reforço da cooperação institucional e internacional, já que só uma perspetiva integrada deste fenómeno permitirá enfrentar tal ameaça e desenvolver adequadas ferramentas de combate.
Foi com base neste pressuposto que Cabo Verde ratificou, através da resolução nº 31/VII/2007, de 22 de Março, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que entrou em vigor na ordem jurídica interna a 23 de abril de 2008[ii], com a finalidade de promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção; promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos; e promover a integridade, a obrigação de prestar contas e a devida gestão dos assuntos e dos bens públicos.
Saiba como funciona e como combater, através do presente artigo.
- O que é? – Conceito/Definição
A corrupção pode ser definida como sendo a prática de qualquer ato ou a sua omissão, seja lícito ou ilícito, contra o recebimento ou a promessa de uma qualquer compensação que não seja devida, para o próprio ou para terceiro.
- A definição de corrupção, enquanto crime, consta do Código Penal – art.º 363.º e segs., do Código Eleitoral e da Lei n.º 85/VI/2005 de 26/12 – Crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos – art. º 3º, art. º12º e art.º 13º.
- Estão previstos na lei, diferentes tipos de corrupção, bem como outros crimes conexos, sendo que todos os casos constituem infração de natureza penal.
A corrupção pode ser sujeita a diversas classificações consoante as situações em causa:
- Corrupção de Funcionários e Agentes
- Corrupção de Eleitor
- Corrupção de Titular de Cargo Político
A corrupção implica:
- Uma ação ou omissão;
- A prática de um ato lícito ou ilícito;
- A contrapartida de uma vantagem indevida para o próprio ou para um terceiro.
- Tipos de Corrupção e como se manifestam
2.1 Corrupção de Funcionários e Agentes
- O funcionário ou agente do Estado que solicite ou aceite, por si ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial, para si ou para terceiro, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, pratica o crime de Corrupção Passiva para Ato Ilícito (art.º 363.º, n.º 1 do C. P.).
- Exemplo: um funcionário de um serviço do Estado que receba determinada quantia para não aplicar uma coima a um cidadão que esteja a entregar um documento oficial fora do prazo legalmente previsto.
- Quem incorrer na prática desse crime será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, se se concretizar o seu intento, e de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, no caso contrário.
- O funcionário ou agente do Estado que solicite ou aceite, por si ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial, para si ou para terceiro, para a prática de um qualquer ato ou omissão não contrários aos deveres do cargo pratica o crime de Corrupção Passiva para Ato Lícito (art.º 363.º, n.º 2 do C.P.).
- Exemplo: Um funcionário de um serviço do Estado que receba um presente por proceder à inscrição de um determinado ato sujeito a registo, desrespeitando a ordem de entrada dos pedidos, beneficiando aquele que lhe oferece o presente.
- Qualquer pessoa que por si, ou por interposta pessoa, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro, com o conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que a este não seja devida, quer seja para a prática de um ato lícito ou ilícito, pratica o crime de Corrupção Ativa (art.º 364.º n.º 1 e 2 do C.P.).
- Exemplo: Condutor que, intercetado por um agente de prevenção rodoviária em excesso de velocidade, prometa àquele, que aceita, uma quantia monetária para não ser sancionado.
2.2 Corrupção de Eleitor
- Quem, em processo eleitoral, comprar ou vender voto pratica o crime de Corrupção de Eleitor (v. art.º 323.º, n.º 1 do C.P.).
- Exemplo: Um candidato que, em processo eleitoral, dá dinheiro a um eleitor em troca do seu voto.
2.3 Corrupção de Titular de Cargo Político
- Ocorre quando há uso das competências legisladas por titulares de cargos políticos, para fins privados ilegítimos.
- Causas e/ou Motivos:
Podem ser causa e/ou motivos da corrupção:
- A Cobiça do poder;
- A Ganância;
- A falta de controlos internos nos serviços do Estado;
- A existência de desigualdades sociais e disparidades regionais;
- O baixo nível de educação e de valores éticos;
- As dificuldades de acesso à informação relativa aos serviços públicos;
- O deficiente sistema de fiscalização e legal;
- A burocracia excessiva e fragilidade dos controlos nos organismos públicos;
- A acumulação de cargos e concentração excessiva de poderes numa única pessoa;
- O financiamento dos partidos políticos.
Podem, ainda, fomentar a corrupção, fatores como:
- Regulamentações e autorizações – Na maioria dos países, cabe ao Estado impor e definir regras, mediante as quais são concedidas licenças e autorizações para o desenvolvimento de várias atividades. Esta situação confere uma espécie de poder de monopólio aos funcionários que desempenham estas tarefas, o qual pode ser utilizado em benefício próprio ou de terceiros, mediante a prática de atos de corrupção;
- Inadequado sistema de penas e sanções – As penas e sanções, previstas na lei, são um fator importante na determinação da corrupção de um país, pelo que a imposição de sanções mais elevadas pode reduzir o número de atos de corrupção;
- Recrutamento dos funcionários públicos de forma duvidosa – Quando o recrutamento e a promoção dos funcionários públicos não são baseados no mérito, a probabilidade de corrupção aumenta;
- Valor dos salários dos funcionários públicos pouco satisfatório – O valor dos salários pagos aos funcionários públicos pode determinar o grau de corrupção de um país. Os resultados demonstraram que o aumento do valor dos salários é suscetível de reduzir a corrupção, dado o custo de oportunidade de perder o emprego. Porém, isto pode onerar, excessivamente, o orçamento de um país.
- Danos causados/ Efeitos da Corrupção:
A corrupção causa uma série de danos ao desenvolvimento de um país, seja a nível económico, seja a nível social:
A nível económico…
- Prejudica a concorrência económica;
- Prejudica o funcionamento dos mercados;
- Lesa o património público;
- Compromete a vida das gerações atuais e futuras;
- Reduz o investimento estrangeiro;
- Promove o fraco desempenho económico;
- Aumenta os custos de financiamento para Governos;
- Aumenta o défice económico
A nível social…
- Aumenta a desigualdade social;
- Ameaça os Estados de direito democrático;
- Diminui a qualidade da democracia;
- Mina os fundamentos da cidadania, confiança, credibilidade e coesão social;
- Corrói a dignidade dos cidadãos;
- Mina a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e respetivos representantes;
- Dilui o sistema político, administrativo e judicial.
Em suma, os danos causados pela Corrupção levam a …[iii]
- Multiplicação dos prejuízos – embora não seja possível mensurar exatamente qual é o prejuízo total causado pela corrupção, tanto ao Estado quanto à sociedade, fatores multiplicadores, como sejam, o estrangulamento dos mercados e a concorrência desleal, são reais e não podem ser ignorados;
- “Contaminação” dos honestos – quando não por ganância, essa “contaminação” ocorre por pressão. É que, muitas vezes, os honestos são ameaçados, caso não concordem em fazer parte do esquema vigente, o que os leva a ceder, e, com isso, agentes públicos que antes exerciam suas funções corretamente passam a agir pensando em benefício próprio;
- Aumento da ineficiência – O excesso de burocracia também pode fazer parte do ciclo vicioso da corrupção, pois que “a ineficiência alimenta a corrupção e a corrupção alimenta a ineficiência”;
- Desmoralização das instituições (e da democracia) – A perda de confiança nas instituições e, por consequência, na democracia, é inevitável, quando situações de corrupção ocorrem de forma corriqueira, sem que se conheçam punições aplicadas aos infratores.
- Crimes conexos
Muito próximos da corrupção, existem outros crimes, igualmente prejudiciais, ao bom funcionamento das instituições e dos mercados. São eles:
- Tráfico de influência – quem obtiver, para si ou para terceiro, dinheiro ou outra vantagem patrimonial, ou sua promessa, para, usando da sua influência, conseguir de entidade pública decisão sobre adjudicações, contratos, emprego, subsídios, encomendas ou outros benefícios, incorre na prática do crime de Tráfico de Influência.
- Peculato – Conduta do funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções.
- Concussão – Conduta do funcionário que, abusando do cargo, ou indução em erro ou aproveitamento de erro da vítima, exigir ou fizer pagar ou entregar indevidamente contribuição, taxa, emolumento, multa ou coima.
- Participação ilícita em negócio – Comportamento do funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar.
- Abuso de poder – Comportamento do titular do cargo político que violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa.
- Suborno – quem convencer ou tentar convencer outra pessoa, através de dádiva ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial, a prestar falso depoimento ou declaração em processo judicial, ou a prestar falso testemunho, perícia, interpretação ou tradução, sem que estes venham a ser cometidos, incorre na prática do crime de Suborno.
- Denuncia:
A corrupção é um crime público, pelo que as autoridades estão obrigadas a investigar, a partir do momento em que adquirem a informação do crime. A denúncia é, de entre outras, a forma mais adequada para comunicar às autoridades uma situação de corrupção, sendo que o funcionário ou agente da Administração Pública tem o dever legal de denunciar.
- Como proceder?
A denúncia pode ser feita aos órgãos da Polícia Criminal – Polícia Judiciária e Polícia Nacional –, ao Ministério Público, verbalmente ou por escrito, e não está sujeita a qualquer formalidade especial. Em qualquer caso, ela é transmitida ao Ministério Público, que desenvolve a investigação, e pode o denunciante requerer um certificado do registo de denúncia.
- Havendo suspeita de atos de corrupção praticados por funcionários e agentes do estado:
A suspeita deve ser obrigatoriamente reportada ao superior hierárquico, que deverá remeter imediatamente participação à entidade competente para instaurar o respetivo processo disciplinar, e dar conhecimento ao Ministério Público dos factos passíveis de serem considerados infração penal. A infração é, nestes casos, passível de dupla responsabilidade – penal e disciplinar.
- Proteção em caso de denúncia:
Qualquer cidadão que efetue uma denúncia de corrupção pode beneficiar, na qualidade de testemunha, das medidas de proteção em processo penal previstas na Lei n.º 81/VI/05, de 12 de setembro, quando a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado sejam postos em perigo por causa do seu contributo para a prova dos factos que constituem objeto do processo.
Encontram-se previstas medidas como:
- Ocultação da testemunha (ocultação de imagem, distorção de voz);
- Testemunho por teleconferência;
- Não revelação de identidade;
- Integração em programas especiais de segurança;
- Estas medidas podem abranger os familiares das testemunhas e outras pessoas que lhes sejam próximas.
- Recomendações:
Para uma melhor atuação e transparência nas relações entre o funcionário público e o cidadão em geral, devem os serviços da Administração Pública:
- Melhorar os sistemas de controlo interno, nomeadamente promovendo, com regularidade, auditorias aos seus departamentos;
- Promover, entre os seus funcionários e agentes, uma cultura de responsabilidade e de observação estrita de regras éticas e deontológicas;
- Assegurar que os seus funcionários e agentes estão conscientes das suas obrigações, nomeadamente no que se refere à obrigatoriedade de denúncia de situações de corrupção.
- Promover uma cultura de legalidade, clareza e transparência nos procedimentos, nomeadamente no que se refere à admissão de funcionários;
- Promover o acesso público e tempestivo a informação correta e completa.
Devem os funcionários e agentes da Administração Pública:
- Atuar respeitando as regras deontológicas (dever e normas morais) inerentes às suas funções;
- Agir sempre com isenção e em conformidade com a lei;
- Atuar de forma a reforçar a confiança dos cidadãos na integridade, imparcialidade e eficácia dos poderes públicos.
Os agentes da Administração Pública, não devem:
- Usar a sua posição e os recursos públicos em seu benefício;
- Tirar partido da sua posição para servir interesses individuais, evitando que os seus interesses privados colidam com as suas funções públicas;
- Solicitar ou aceitar qualquer vantagem não devida, para si ou para terceiro, como contrapartida do exercício das suas funções (caso de ofertas).
[i] Extrato do trabalho – Medidas de Combate à Corrupção em Portugal, da autoria de Cunha, Ricardo; Serra, Sara e Costa, Maria – outras informações extraídas do referido trabalho encontram-se ao longo deste texto, incluindo dados de outros autores devidamente referenciados no trabalho inspirado.
[ii] Cabo Verde assinou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção a 09 de Dezembro de 2003.
[iii] Abdenur, R. (2013). Corrupção – Entrave ao desenvolvimento do Brasil, from https://exame.com/brasil/5-efeitos-danosos-da-corrupcao-que-voce-nao-ve/